Além das Árvores: Uma Visão Expandida do Balanço de Carbono
Moacir José Sales Medrado[1]
Num mundo onde a simplicidade muitas vezes domina o discurso ambiental, existe um debate sobre o balanço de carbono que tende a se reduzir a slogans de "desmatamento zero" e "florestas intocadas". No entanto, essa visão, embora bem-intencionada, às vezes falha em capturar a complexidade e a riqueza das soluções que a natureza e a inovação humana podem oferecer.
Quando falamos de florestas, é crucial entender que elas não são entidades estáticas. A floresta em seu estado de clímax, aquele ponto de equilíbrio ecológico onde a absorção e a liberação de carbono se igualam, é mais uma idealização do que uma realidade constante. As florestas são dinâmicas, com árvores crescendo e morrendo, sempre em um estado de fluxo. Distúrbios naturais, como tempestades ou incêndios, criam espaços para o novo crescimento, capturando mais carbono à medida que novas árvores se erguem.
Neste cenário, o manejo sustentável da floresta emerge como uma estratégia subestimada. Ao gerenciar a floresta de forma sustentável, permitimos que ela continue crescendo e se regenerando, aumentando assim sua capacidade de sequestrar carbono, em vez de permanecer em um estado neutro. Além disso, o manejo sustentável pode fornecer recursos renováveis e sustentar comunidades locais.
Da mesma forma, a narrativa em torno da agricultura e da pecuária muitas vezes se inclina para a crítica, focando nas emissões de gases de efeito estufa e no uso de terras. No entanto, uma perspectiva mais ampla revela que práticas agrícolas inovadoras e sustentáveis, como o plantio direto, especialmente com gramíneas como a ruziziensis, podem transformar os solos em reservatórios de carbono robustos. Essa abordagem não só sequestra carbono, mas também melhora a saúde do solo e a biodiversidade.
Da mesma forma, as pastagens geridas de forma inteligente, integradas a sistemas de lavoura-pecuária, podem ser um campo fértil para a sequestração de carbono. Além disso, pastagens nutritivas reduzem a produção de metano pelos ruminantes, um potente gás de efeito estufa. Essa estratégia, juntamente com a recuperação de áreas degradadas, mostra que a pecuária pode ser parte da solução, e não do problema.
Portanto, é hora de ampliar nosso diálogo e reconhecer que o equilíbrio do carbono na Terra é um mosaico de estratégias e práticas. Reduzir essa complexidade a um único foco em florestas intactas e desmatamento zero não apenas limita nosso entendimento, mas também nossa capacidade de encontrar soluções verdadeiramente eficazes. A natureza nos ensina sobre equilíbrio, diversidade e adaptação. De maneira semelhante, nossas abordagens para o manejo do carbono devem ser igualmente dinâmicas e multifacetadas.
A estreiteza de raciocínio se manifesta quando nos fechamos para o potencial inexplorado de práticas sustentáveis em setores frequentemente estigmatizados. Reconhecer o potencial da agricultura e da pecuária para contribuir positivamente para o balanço de carbono é um passo importante para abordagens mais holísticas e eficazes. Não é apenas sobre preservar, mas também sobre criar - criar sistemas que não apenas protegem, mas também regeneram e revitalizam.
À medida que avançamos, é fundamental que mantenhamos nossas mentes abertas e nossos olhos voltados para uma gama mais ampla de soluções. A luta contra as mudanças climáticas e o desequilíbrio de carbono requer inovação, colaboração e, acima de tudo, uma compreensão profunda da complexidade dos sistemas naturais e humanos. Reduzir essa complexidade a um único mantra não apenas nos vende barato, mas também nos priva das soluções inovadoras e eficazes que tanto precisamos.
Em última análise, a chave para um futuro sustentável reside em nossa capacidade de abraçar a complexidade, reconhecer a interconexão entre diferentes práticas e sistemas, e trabalhar em direção a soluções que sejam tanto ambiental quanto economicamente sustentáveis. A natureza não opera em silos, e nem devemos nós. A verdadeira sustentabilidade surge da compreensão e do respeito pela intrincada teia da vida, da qual somos apenas uma parte. Apenas com essa visão abrangente podemos esperar alcançar um equilíbrio de carbono que seja benéfico para o planeta e para todas as suas formas de vida.
[1] Engenheiro Agrônomo (UFCE); Especialista em Planejamento Agrícola (SUDAM/SEPLAN-Ministério da Agricultura); Doutor em Agronomia/Fitotecnia (ESALQU/USP); Pesquisador Sênior em Sistemas Agroflorestais (EMBRAPA – aposentado); Diretor Técnico da Medrado e Consultores Agroflorestais Associados Ltda.