RAIZES DO FUTURO UMA CRÔNICA SOBRE A RESTAURAÇÃO DA TERRA E DA ESPERANÇA NO RIO GRANDE DO SUL
Moacir José Sales Medrado[1]
As águas barrentas que invadiram o urbano e o agro gaúcho nos últimos dias trouxeram destruição e uma reflexão urgente sobre nossa relação com a terra. As chuvas intensas desencadearam uma catástrofe no Rio Grande do Sul, evidenciando problemas climáticos globais. Contudo, essa tragédia revela uma oportunidade crucial para uma restauração abrangente que inclui a recuperação ambiental e o apoio às comunidades afetadas.
A restauração ecológica é essencial, focando na estabilização do solo, restauração de habitats naturais, recuperação de agroecossistemas degradados e descontaminação de solos e águas. A infraestrutura verde precisa ser reconstruída com a restauração de parques urbanos e a implementação de soluções baseadas na semeadura direta e na agrofloresta, em seus variados niveis de complexidade, para melhorar a absorção de águas pluviais.
O monitoramento contínuo e a gestão integrada de recursos hídricos são vitais para prevenir futuras inundações. Apoiar as comunidades locais com capacitação em práticas sustentáveis e envolvê-las na gestão dos recursos naturais promoverá a sustentabilidade a longo prazo. Além disso, ações de mitigação e adaptação climática, como a redução de emissões de gases de efeito estufa e o desenvolvimento de infraestrutura resiliente às mudanças climáticas, são cruciais.
O Novo Código Florestal Brasileiro, aprovado em 2012 e suas atualizações, surge como um pilar fundamental. Ele estabelece diretrizes para a preservação e recuperação das Áreas de Preservação Permanente (APPs) e das Reservas Legais (RLs), essenciais para manter o equilíbrio dos ecossistemas. No entanto, a aplicação dessas leis enfrenta desafios práticos e resistência local. A cobertura vegetal, que deveria servir como escudo natural contra as intempéries, foi reduzida em muitas áreas, expondo o solo e as comunidades a riscos maiores.
A restauração ecológica vai além de simplesmente plantar árvores; trata-se de restaurar a funcionalidade dos ecossistemas, revigorando solos, regulando ciclos hídricos e trazendo de volta a biodiversidade. No Rio Grande do Sul, iniciativas de restauração podem transformar paisagens degradadas em bastiões de resiliência, onde a vegetação nativa reconquista seu espaço e oferece proteção natural contra enchentes e erosão.
A agrofloresta emerge como um modelo promissor. Integrando árvores, culturas agrícolas e pecuária em um sistema sinérgico, a agrofloresta promove a regeneração do solo, aumenta a biodiversidade e melhora a segurança alimentar. Esse sistema sustentável pode ser uma ferramenta poderosa para recuperar áreas devastadas, proporcionando meios de subsistência para as comunidades locais. A diversidade biológica e estrutural das agroflorestas cria um ambiente mais resistente a pragas, doenças e eventos climáticos extremos, oferecendo uma alternativa viável à agricultura convencional.
O que está sendo visto no Rio Grande do Sul nos obriga a olhar além da emergência imediata e planejar um futuro onde eventos climáticos severos não resultem em tragédias. O Novo Código Florestal e a liberação do uso da semeadura direta oferecem um caminho legal, mas sua implementação depende da vontade política, conscientização pública e engajamento comunitário. Programas de Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA) podem incentivar proprietários rurais a adotar práticas sustentáveis, remunerando-os por benefícios que atingem toda a sociedade.
Em um mundo cada vez mais vulnerável às mudanças climáticas, nossas políticas e práticas devem evoluir. A restauração ecológica e a adoção de sistemas agroflorestais não são apenas respostas às crises ambientais; são investimentos em um futuro onde humanos e natureza coexistem em harmonia. As raízes que plantamos hoje definirão a resiliência de nossas comunidades amanhã. É hora de nos concentrarmos em esperança, regeneração e sustentabilidade.
As águas podem ter trazido destruição, mas também revelam o poder transformador da natureza quando respeitada e restaurada. No balanço entre desastre e esperança, cabe a nós inclinar a balança a favor da vida e da resiliência, plantando as raízes de um futuro mais verde e seguro.
[1] Engenheiro Agrônomo (UFCE), Especialista em Planejamento Agrícola (SUDAM/SEPLAN), Pesquisador Sênior em Sistemas Agroflorestais (EMBRAPA – aposentado), Doutor em Agronomia (ESALQ/USP), Proprietário da Medrado e Consultores Agroflorestais Associados (MCA)