MOACIR MEDRADO - MOGA
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CENÁRIO DE CINZAS: A TRAMA OCULTA DOS INCÊNDIOS

Moacir José Sales Medrado[1]

O ar pesado, carregado de um cheiro acre de fumaça, teima em pairar sobre o país. As árvores, os arbustos, as culturas agrícolas e os capins, outrora verdes e vibrantes, agora se transformam em cinzas ao toque das chamas impiedosas. O crepitar do fogo se mistura com o sibilar do vento em um som que ecoa como um desespero da terra ferida.

 

É impossível ignorar a destruição que se desenrola diante dos olhos. Os incêndios florestais, antes eventos esporádicos, têm se tornado uma constante inquietante, manchando o céu com seu rastro negro e sufocando a esperança de quem dependia da terra para viver, sejam produtores sejam indígenas. Mas enquanto nosso país assiste, consternado, ao espetáculo de devastação, perguntas mais profundas se erguem das cinzas. O que realmente está em jogo? Quem se beneficia com tamanha destruição?

 

Nos bastidores desse inferno ardente, uma trama sombria se desenrola. Interesses econômicos e políticos se entrelaçam, movendo as peças de um jogo cujas regras parecem ser ditadas pelo lucro e poder. A floresta, rica em recursos e potencial, tornou-se um alvo cobiçado. O fogo, um aliado conveniente para aqueles que buscam moldar a paisagem ao seu bel-prazer. Afinal, o que poderia ser mais eficaz do que o fogo para limpar o terreno e abrir caminho para o "progresso"?

 

Enquanto as chamas consomem árvores e vidas, narrativas aparentemente construídas tomam forma. As terras indígenas, historicamente protegidas e sagradas, são agora pintadas como terras de ninguém, desgovernadas e vulneráveis. A percepção de parte do público, moldada por discursos eloquentes e promessas de desenvolvimento, começa a ver essas terras como potenciais áreas produtivas, prontas para serem aproveitadas. O fogo parece não ser apenas uma ferramenta de destruição, mas também um símbolo de uma batalha maior — a batalha pelo controle, pelo direito de decidir o destino da terra.

 

As comunidades indígenas, moradores milenares dessas florestas, são apresentadas como incapazes de gerir seus próprios territórios. Seus direitos e tradições são minados por uma narrativa de incapacidade, enquanto o mundo esquece que, por gerações, têm vivido em harmonia com a natureza, protegendo e cultivando a riqueza das florestas. Agora, suas vozes são abafadas pelo rugido das chamas e pelas palavras de promessas vazias.

 

Mas em meio às cinzas, uma verdade persiste, uma verdade que não pode ser apagada pelo fogo ou silenciada por discursos: as florestas são mais do que meros recursos a serem explorados. Elas são vida, cultura, história. São o lar daqueles que as respeitam e entendem seu valor inestimável. São o pulmão de um planeta que clama por um futuro sustentável.

 

Em contraste com aqueles que trazem a destruição, há os que lutam bravamente para preservar a vida e a esperança. Brigadistas e bombeiros, verdadeiros heróis da terra, enfrentam as chamas com coragem e determinação. Dia e noite, esses homens e mulheres dedicados arriscam suas vidas para salvar o que ainda pode ser salvo, muitas vezes com recursos limitados e em condições extremas. Seu esforço incansável é um lembrete de que ainda há quem valorize a proteção da nossa riqueza natural e dos direitos das comunidades que delas dependem.

 

Entretanto, para que esses esforços heroicos sejam verdadeiramente eficazes, é necessário mais do que bravura. É imperativo que as leis sejam atualizadas, que a impunidade seja eliminada, e que aqueles responsáveis por incêndios criminosos sejam punidos de forma exemplar. Somente através de uma legislação firme e de uma fiscalização eficaz poderemos evitar que as chamas continuem a consumir o futuro de nossas florestas e de nosso país.

 

Enquanto o fogo consome o presente, a pergunta que se ergue das cinzas é clara: que futuro estamos construindo? Um futuro de terra queimada e exploração desenfreada ou um futuro de respeito, equilíbrio e justiça? A resposta depende de todos nós, da coragem de olhar além da fumaça e enxergar a verdade que arde por trás das chamas.

 

Afinal, não há progresso em um mundo reduzido a cinzas.

 


[1] Engenheiro Agrônomo (UFCE), Especialista em Planejamento Agrícola (SUDAM / SEPLAN – Ministério da Agricultura), Pesquisador Sênior em Sistemas Agroflorestais (EMBRAPA – aposentado), Doutor em Agronomia (ESALQ/USP), Propietário da Medrado e Consultores Agroflorestais Associados (MCA)

MOACIR MEDRADO
Enviado por MOACIR MEDRADO em 01/09/2024
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