Agronegócio e Fogo: Separando o Joio do Trigo[1]
Moacir José Sales Medrado
Em tempos de crise ambiental, as notícias sobre incêndios florestais no Brasil acendem debates inflamados e, muitas vezes, simplistas. O agronegócio, um dos pilares da nossa economia, é frequentemente apontado como o grande vilão por trás das chamas que consomem nossas florestas. Mas será que essa é a verdade completa? Ou estamos lidando com mais uma generalização perigosa, que coloca no mesmo saco quem trabalha de forma responsável e quem age nas sombras da ilegalidade?
A complexidade do tema exige uma análise cuidadosa. Por um lado, é inegável que atividades agrícolas podem, sim, estar associadas ao desmatamento e ao uso inadequado do fogo. No entanto, atribuir de maneira indiscriminada ao agronegócio a responsabilidade pelos incêndios é desconsiderar uma realidade ainda mais perversa: a atuação de grileiros e invasores de terras, que se valem de práticas criminosas para expandir seu domínio e seus lucros, sem qualquer compromisso com a preservação ambiental. Estes, certamente, não são parte do agronegócio.
Há uma diferença gritante entre o produtor que segue normas e investe em práticas sustentáveis, e aqueles que utilizam o fogo como arma de destruição e desrespeito. O agronegócio brasileiro, em sua essência, não é o inimigo das florestas, mas sim, um aliado potencial da conservação quando bem conduzido. O que falta, muitas vezes, é distinguir eventuais maçãs podres de um setor que, majoritariamente, impulsiona nossa economia com responsabilidade.
Infelizmente, a imagem do agronegócio vem sendo desgastada por uma narrativa que ignora nuances e coloca todo o setor sob o estigma da destruição ambiental. Precisamos ser justos ao olhar para as práticas adotadas por grandes produtores, que têm investido em tecnologias de baixo impacto, manejo consciente e até recuperação de áreas degradadas. Ao mesmo tempo, é fundamental que haja uma responsabilização eficaz para aqueles que se aproveitam do caos ambiental para avançar sobre terras públicas e protegidas.
Esses atos irresponsáveis não afetam apenas o ecossistema, mas também a vida de povos que dependem diretamente da terra e da floresta. Comunidades indígenas, ribeirinhas, quilombolas e extrativistas estão entre as mais vulneráveis aos impactos do desmatamento, da degradação e da fragmentação de seus territórios. Para esses grupos, o fogo não é uma ameaça distante — é uma realidade que invade suas vidas e destrói o que há de mais essencial para sua sobrevivência.
Ainda mais perturbador é o papel de uma parte da mídia, que, em sua busca por acirrar os ânimos, acende ainda mais o fogo da polarização política. Ao invés de investigar as causas profundas dos incêndios, o jornalismo muitas vezes opta por simplificações que jogam combustível sobre o confronto ideológico. A polarização entre esquerda e direita se transforma em um campo de batalha, com o agronegócio frequentemente colocado como vilão em narrativas incendiárias. Ao mesmo tempo, faltam estudos mais detalhados que correlacionem os focos de incêndio com fatores políticos ou regionais — uma omissão que só aumenta a distância entre as soluções possíveis e o embate de ideias.
Alguns cientistas, por sua vez, embora baseados em dados sólidos, também não estão imunes à influência ideológica. Por isto, em alguns casos se apressam em atribuir ao agronegócio onde, certamente, há prevalência de ideias políticas de “direita”, a responsabilidade sobre aumento dos incêndios criminosos. O açodamento então contribui para o crescimento de uma narrativa, por vezes injusta, que mistura responsáveis e inocentes no mesmo barco.
No entanto, há um outro problema que complica ainda mais essa situação: a proximidade entre o agronegócio responsável e certos grupos políticos que, ao se proclamarem seus defensores, na verdade, alimentam uma relação perversa com o meio ambiente. Muitos dos que hoje se colocam como porta-vozes do setor agrícola são, na realidade, figuras que não demonstram o menor compromisso com a sustentabilidade. Eles defendem o garimpo ilegal, a pecuarização desenfreada e o desmatamento sem regras, não por acreditarem no desenvolvimento agrícola responsável, mas por estarem de olho no apoio eleitoral que o setor pode oferecer.
Esses políticos desarrazoados, sem qualquer educação ambiental, se aproveitam da força do agronegócio para promover agendas que estão longe de refletir os interesses da maioria dos produtores responsáveis. É difícil para o setor produtivo se desvincular dessas figuras, que, ao mesmo tempo que destroem a imagem pública do agronegócio, se apresentam como seus maiores defensores. Esse é um dilema que precisa ser enfrentado: como garantir que as políticas públicas em nome do agronegócio não sirvam apenas como cortina de fumaça para agendas de destruição ambiental?
O setor agrícola brasileiro tem, na maioria dos casos, se mostrado inovador, adotando práticas de conservação do solo, utilização de tecnologias de precisão, preservação de matas ciliares e conservação de áreas de reserva legal. Ainda assim, a proximidade com políticos que apoiam atividades como o desmatamento ilegal e o uso descontrolado do solo gera uma mancha que afeta a percepção pública. Como convencer a sociedade de que o agronegócio pode ser uma força positiva para a economia e para o meio ambiente, se ele caminha ao lado de quem apoia práticas tão nocivas?
Essa desconexão entre os interesses de parte da classe política e os verdadeiros anseios dos produtores rurais é, talvez, um dos maiores desafios do setor. Para que o agronegócio responsável tenha voz, é preciso se distanciar dos radicais que buscam apenas os próprios ganhos, muitas vezes sacrificando a imagem de um setor que, na sua essência, poderia ser parte da solução para o desenvolvimento sustentável.
A luta não é apenas por maior produção e eficiência agrícola; é também por uma política pública que esteja alinhada com os princípios de conservação e uso inteligente dos recursos naturais. O que se vê, no entanto, é que figuras oportunistas se apropriam do discurso do agronegócio para justificar ações que nada têm a ver com a verdadeira essência do setor. Esse é o joio que precisa ser separado do trigo.
[1] Engenheiro – Agrônomo (UFCE), Especialista em Planejamento Agrícola (SUDAM / SEPLAN – Ministério da Agricultura), Pesquisador Sênior em Sistemas Agroflorestais (EMBRAPA – aposentado), Consultor em Sistemas Agroflorestais (MCA) e Doutor em Agronomia (ESALQ/USP)