MOACIR MEDRADO - MOGA
Um pouco do que tenho sido além do físico
Capa Meu Diário Textos Áudios Fotos Perfil Livro de Visitas Contato Links

A FLORESTA E SUAS VOZES SILENCIADAS

Moacir José Sales Medrado[1]

 

Imaginem uma floresta em toda a sua grandiosidade: árvores imponentes, arbustos variados, flores discretas e criaturas de todos os tipos. Cada elemento, por menor que seja, contribui para o equilíbrio daquele ecossistema. Agora, imagine se apenas uma espécie dominasse completamente o ambiente. Como seria essa floresta? Provavelmente, ela careceria de cores, texturas, sabores e, principalmente, equilíbrio.

 

Assim como uma floresta depende de sua biodiversidade, o setor florestal prospera quando diferentes vozes e perspectivas são incluídas. Entretanto, ao longo das décadas, esse campo tem sido marcado por uma predominância masculina que deixou as contribuições femininas, muitas vezes, à sombra. Desde a primeira engenheira florestal, Alcina Gardini Moric, até biólogas, engenheiras ambientais e agrônomas que trabalham para conservar e desenvolver nossas florestas, as mulheres vêm enfrentando desafios únicos e significativos.

 

Essas mulheres, contudo, não estão sozinhas na defesa da floresta. Mulheres florestais indígenas e quilombolas desempenham um papel essencial na preservação dos ecossistemas e na transmissão de saberes ancestrais. As mulheres indígenas, com um vínculo profundo com a terra e um conhecimento passado por gerações, entendem o ciclo das plantas e os segredos de cura que a floresta guarda. Elas são guardiãs de uma relação harmoniosa e respeitosa com a natureza, uma relação que pode ensinar muito ao manejo florestal moderno.

 

As mulheres quilombolas, por sua vez, protegem e manejam áreas florestais com práticas sustentáveis e de resistência cultural, mantendo viva a memória de seus ancestrais que encontraram refúgio nas matas. Seus conhecimentos sobre o uso e preservação dos recursos florestais ajudam a manter a diversidade biológica e cultural desses espaços, assegurando que práticas tradicionais de manejo contribuam para a saúde do ecossistema. A inclusão dessas mulheres no debate e nas práticas florestais é vital para promover uma ciência que não apenas entende a floresta, mas que vive em simbiose com ela.

 

A presença de mulheres no setor florestal, de diferentes origens e culturas, não é apenas uma questão de representatividade, mas de qualidade no desenvolvimento sustentável e científico. Biólogas estudam a fauna e flora que compõem os biomas florestais, engenheiras florestais garantem a exploração sustentável dos recursos florestais, engenheiras ambientais propõem soluções para mitigar os impactos da atividade humana nos ecossistemas, agrônomas desenvolvem métodos de integração agrícola que respeitam a dinâmica natural da floresta e biblioteconomistas estudam a produção, a organização e a utilização da informação florestal. Essas mulheres trazem uma perspectiva essencial que valoriza a interdependência entre os recursos florestais e as comunidades humanas, mostrando que o manejo sustentável vai além da exploração; ele envolve respeito, equilíbrio e responsabilidade.

 

Apesar desse impacto, o setor ainda tem uma longa jornada para alcançar a igualdade. Apenas uma mulher, ou 10%, assumiu a chefia da Embrapa Florestas desde sua fundação, e no IBA Podcast – produzido pela Indústria Brasileira de Árvores – em 37 episódios, apenas 10 entrevistadas foram mulheres. Esses números revelam o quanto as mulheres ainda estão sub-representadas nos espaços de decisão e visibilidade, mesmo com o crescimento do número de mulheres formadas em áreas florestais.

 

Desde 2009, algumas iniciativas têm buscado dar voz a essas mulheres, reunindo suas histórias e trajetórias, como sementes plantadas em um terreno ainda em desenvolvimento. Em espaços de expressão, como o blog MULHERES FLORESTAIS < https://mulheresflorestais.blogspot.com/>, suas experiências, desafios e conquistas encontram eco e se fortalecem, cultivando uma comunidade que compartilha de uma mesma paixão e propósito.

 

Mulheres como Ana Maria Primavesi, pioneira na agroecologia, Johanna Döbereiner e Mariangela Hungria da Cunha. com seus trabalhos inovadores em fixação biológica de nitrogênio, demonstraram o impacto transformador de uma abordagem integrada e sustentável na ciência florestal e na agricultura brasileira. Mais recentemente, pesquisadoras como Miroslava Rakocevic, Yeda Maria Malheiros Oliveira, Tatiane Deane de Abreu Sá e Silvia Massruhá têm trabalhado com dedicação para abrir caminhos a novas gerações de mulheres, inclusive estrangeiras, incentivando-as a fazer a diferença, seja nas pesquisas de campo, na educação ambiental ou na formulação de políticas públicas.

 

Que o legado de tantas mulheres florestais, inclusive das que já partiram, continue a crescer e inspirar. Elas deixaram raízes profundas, nutrindo a ciência e a conservação de nossas florestas com dedicação, coragem e sabedoria. Que suas trajetórias ecoem na memória da floresta, guiando o caminho das futuras gerações.

 

A floresta, rica em diversidade de espécies e ecossistemas, é um reflexo de como a inclusão de múltiplas perspectivas torna o setor mais completo e resiliente. Cada profissional florestal feminina, com sua visão única, independente da formação, contribui para que o setor avance em direção a um manejo que equilibra economia e ecologia, produtividade e conservação.

 

Imagine o que se ganharia com o verdadeiro equilíbrio de gênero na ciência florestal. As florestas poderiam florescer não apenas em diversidade de espécies, mas em ideias e abordagens inovadoras. Com uma visão ampla e integrada, mulheres biólogas, engenheiras, indígenas e quilombolas podem trazer mais do que números: elas trazem uma floresta mais inteira, que respeita as nuances da vida e considera o papel de cada ser vivo no ecossistema.

 

Assim como uma floresta precisa de sua diversidade para prosperar, a ciência que a estuda só será completa quando todos puderem participar e se ver representados. A floresta pede, em silêncio, por mais vozes femininas – vozes que trarão novas cores, novas perspectivas e, acima de tudo, um futuro mais equilibrado e justo.

 

Referências

Paisagens florestais e o protagonismo das mulheres / organização Edilaine Dick, Vitor Lauro Zanelatto ; ilustrações Isabelle Nogueira . - - Atalanta , S C : Apremavi, 2022 . Vários colaboradores. Bibliografia . ISBN 978 - 65 - 992445- 2 – 0 . Disponível em: https://dialogoflorestal.org.br/wp-content/uploads/2022/09/cartilha-genero-digital-2.pdf Acessado em 08/11/2024

Mulheres nas Ciências Florestais (livro eletrônico) / organização Cláudia Moster. – 1. Ed. – Seropédica, RJ : Ed. das Autoras, 2022. PDF. Disponível em: https://institucional.ufrrj.br/nidflor/files/2022/11/Livro_mulheres_1_merged.pdf   Acessado em 08/11/2024

SPATHELF, P.; MATTOS, P.P.de; BOTOSSO, P.C. Certificação Florestal no Brasil – Uma ferramenta eficaz para a Conservação das Florestas Naturais. FLORESTA 34(3), Set/Dez 2004, 373-379, Curitiba-PR. Disponível em: https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/32129/1/CERTIFICACAO-FLORESTAL-NO-BRASIL-UMA-FERRAMENTA-EFICAZ.pdf

 


[1] Engenheiro Agrônomo (UFCE), Especialista em Planejamento Agrícola (SUDAM / SEPLAN – Ministério da Agricultura), Pesquisador Sênior em Sistemas Agroflorestais (Embrapa  - aposentado), Consultor em Sistemas Agroflorestais

MOACIR MEDRADO
Enviado por MOACIR MEDRADO em 09/11/2024
Alterado em 09/11/2024
Comentários