REPENSANDO O VERDE URBANO: INTELIGÊNCIA E SUSTENTABILIDADE NA ARBORIZAÇÃO
Moacir José Sales Medrado[1]
As ruas de São Paulo e de outras capitais brasileiras tornaram-se um campo de batalha silencioso entre a urbanização e a natureza. A cada temporal, árvores tombam, arrastando fios, esmagando veículos, interrompendo a rotina de milhões. O problema, contudo, não é a presença das árvores, mas sim sua relação precária com o espaço urbano.
Especialistas apontam para podas mal executadas e raízes sufocadas pelo concreto como as principais causas dessas quedas. Entretanto, pouco se fala sobre uma solução mais profunda: a reavaliação do próprio modelo de arborização. Árvores de grande porte, que um dia foram símbolos de uma cidade mais verde, hoje se mostram inadequadas para calçadas estreitas e vias congestionadas. A substituição gradual dessas espécies por arbustos e árvores de menor porte poderia mitigar os riscos, sem comprometer a função ecológica da vegetação urbana.
Outro aspecto frequentemente ignorado é o risco associado ao plantio de árvores frutíferas e medicinais nas cidades. Em um ambiente saturado de poluentes liberados por veículos e indústrias, frutas e folhas podem acumular substâncias tóxicas, transformando um gesto de sustentabilidade em um risco à saúde pública. Muitas dessas árvores foram incluídas nos projetos urbanos sem a devida avaliação do impacto da poluição sobre seus frutos e propriedades medicinais. Em vez de segurança alimentar, podem estar oferecendo contaminação invisível.
Diante das mudanças climáticas, é fundamental considerar quais espécies suportam os novos desafios ambientais. Pesquisas internacionais mostram que árvores e arbustos termófilos—mais resistentes ao calor e à seca—devem ser priorizados no plantio urbano. Além disso, a implementação de faixas de biodiversidade, que combinam arbustos frutíferos para aves, plantas atrativas para polinizadores e abrigos para pequenos mamíferos, tem se mostrado uma estratégia eficiente para equilibrar as funções ecológicas das cidades.
A expansão urbana sem planejamento ameaça não apenas as árvores das cidades, mas também as florestas ao redor delas. Na Mata Atlântica, um dos biomas mais biodiversos do planeta, a urbanização avança rapidamente sobre áreas naturais, levando à fragmentação de habitats e à perda de serviços ecossistêmicos essenciais. Modelos de planejamento baseados na conectividade ecológica são fundamentais para preservar o equilíbrio entre desenvolvimento e conservação.
Além da escolha correta das espécies, a arborização precisa ser planejada com base na conectividade ecológica e na integração com o planejamento urbano. Experimentos recentes demonstram que o sucesso das florestas urbanas está diretamente ligado ao envolvimento multidisciplinar de botânicos, arquitetos, urbanistas, engenheiros agrônomos e engenheiros florestais.
Curiosamente, mesmo sendo os profissionais com maior formação específica para lidar com silvicultura urbana e manejo florestal, os engenheiros florestais são frequentemente esquecidos nos debates sobre arborização. Em entrevistas e reportagens televisivas, a figura do engenheiro agrônomo acaba substituindo a do engenheiro florestal, o que reflete um desconhecimento sobre as atribuições dessa profissão. Apesar de nós engenheiros agrônomos, sermos importantíssimos por termos expertise em produção vegetal e manejo de culturas agrícolas e até mesmo florestais, os engenheiros florestais possuem formação especializada na gestão, conservação e plantio de espécies arbóreas—competências essenciais para planejar adequadamente a arborização das cidades.
O uso de tecnologia também se torna um aliado indispensável. Sensores LiDAR e drones estão sendo utilizados para monitorar o crescimento e a adaptação das espécies ao ambiente urbano, identificando precocemente problemas como competição por espaço e falta de nutrientes. Esse tipo de acompanhamento deveria ser parte essencial de qualquer projeto de reflorestamento urbano, garantindo que as cidades cresçam de forma mais verde, mas sem comprometer a segurança e a mobilidade da população.
Além disso, o impacto da urbanização sobre a cultura e o bem-estar humano precisa ser considerado. A desconexão das pessoas com a natureza afeta sua qualidade de vida, reduzindo espaços de lazer e de interação com o meio ambiente. A criação de corredores ecológicos e áreas verdes bem distribuídas dentro das cidades não é apenas uma questão ambiental, mas também uma necessidade social.
Por fim, a arborização não pode ser vista apenas como uma decisão técnica, mas sim como um projeto compartilhado com a sociedade. A inclusão da comunidade no processo de planejamento e a comunicação transparente sobre os benefícios e desafios das áreas verdes ajudam a criar um senso de pertencimento, essencial para a manutenção e sucesso dos espaços arborizados.
É hora de abandonar o romantismo cego em relação às árvores e adotar uma abordagem mais técnica e adaptativa. Queremos cidades verdes, mas também resilientes. Não basta plantar por plantar—é preciso plantar com inteligência, respeitando o equilíbrio ecológico e social.
REFERÊNCIAS
RESENINI, R. et al. Construindo cidades mais verdes juntos: o reflorestamento urbano requer múltiplas habilidades para enfrentar os desafios sociais, ecológicos e climáticos. Plants, v. 14, 2025. Disponível em: <https://doi.org/10.3390/plants14030404>. Acesso em: [14/03/2025].
GUEVARA, B. R.; URIBE, S. V.; DE LA MAZA, C. L.; VILLASEÑOR, N. R. Disparidades socioeconômicas na diversidade e estrutura da floresta urbana em áreas verdes de Santiago do Chile. Plants, v. 13, 2024. Disponível em: <https://doi.org/10.3390/plants13131841>. Acesso em: [14/03/2025].
LEMBI, R. C. et al. Expansão urbana na Mata Atlântica: aplicando o “Nature Futures Framework” para desenvolver um modelo conceitual e cenários futuros. Biota Neotropica, v. 20, supl. 1, e20190904, 2020. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/1676-0611-BN-2019-0904>. Acesso em: 14/03/2025].
[1] Engenheiro Agrônomo (UFCE), Especialista em Planejamento Agrícola (SUDAM / SEPLAN – Ministério da Agricultura), Pesquisador Sênior em Sistemas Agroflorestais (EMBRAPA – aposentado), Doutor em Agronomia (ESALQ/USP)
[1] Engenheiro Agrônomo (UFCE), Especialista em Planejamento Agrícola (SUDAM / SEPLAN – Ministério da Agricultura), Pesquisador Sênior em Sistemas Agroflorestais (EMBRAPA – aposentado), Doutor em Agronomia (ESALQ/USP)